Yasunari Kawabata
A Casa das Belas Adormecidas
Um romance pretensamente erótico de um Nobel
É de tradição secular a vertente erótica da arte japonesa, magistralmente exemplificada pelas suas gravuras, que seduziram os ocidentais dos dois últimos séculos, e à qual também não é alheia a literatura. Será nesta linha que se insere Kawabata - contemporâneo dos poetas Horiguchi Daigakue Ryoji Asabuki, bem como do já nosso conhecido Mishima - cujo livro antecede de um ano o romance Erotómanos (1963) do «escandaloso» e ainda vivo Akiyuki Nosaka.
Esta singular narrativa desenrola-se toda ela num «sakariba», o espaço de transgressão da ordem do quotidiano: uma casa de prazer, porém com características muito especiais. Os clientes – face aos quais o herói se procura distanciar - são idosos e impotentes, limitando-se a partilhar o leito de uma jovem virgem, profundamente adormecida com o auxilio de fármacos. A mulher, transformada em objecto inerte e reduzida ao máximo de incomunicabilidade, torna-se o ponto de partida para um discurso do eu, é fonte de reminiscências e desencadeador de memória.
E uma situação que poderia raiar o pornográfico, sacraliza-se pela sinceridade - a qualidade «makoto» – e pelas implicações religiosas que são sugeridas: «Em recompensa das consolações que naquela casa ela trazia aos velhos, poder-se-ia desejar-lhe um dia de felicidade, mas não era impossível imaginar que aquela rapariga era, apenas, como nas velhas lendas, uma encarnação do próprio Buda. Não havia, com efeito, lendas em que as prostitutas e as sedutoras se revelavam como encarnações de Buda?» (p.90).
O sono torna-se uma medida da amplitude do desejo humano, e o recordar do passado erótico, um reviver da própria vida, só possível perto do seu fim. Sob ambos se esconde o tema da morte, tão caro a este autor. Kawabata, que recebeu o prémio Nobel da literatura em 1968, suicidou-se em 1972.
Não pondo em causa a qualidade desta edição, será no entanto necessário referir que é redundante para o nosso pobre panorama literário. Esta obra foi publicado pela Ass¡rio & Alvim em 1986, e há ainda muitos autores japoneses a divulgar, como Kenzaburo Oe, Takashi Tsujii, Inada Nada, ou o acima referido Nosaka, a fazer furor na nossa «musa», a França.
Helena Barbas [O Independente, 5 de Maio de 1989, III p.36]
A Casa das Belas Adormecidas - Yasunari Kawabata, trad. Luis Pignatelli, Círculo de Leitores, Lisboa (1988)
Comments (0)
You don't have permission to comment on this page.