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Urbano Tavares Rodrigues - Nunca diremos quem sois

Page history last edited by Helena Barbas 10 years, 9 months ago

Urbano Tavares Rodrigues 


 Nunca Diremos quem Sois


 Encruzilhadas e abismos - um grande romance cinematográfico a retratar a luz do Algarve

  

   Cumprem-se cinquenta anos na vida literária . Desde a revelação com um volume de contos - A Porta dos Limites, em 1952 - até este seu último romance foi-nos brindando com um percurso sempre de qualidade, espiralado no retomar de temas e motivos que tornou muito seus - o espaço do Alentejo, um certo decadentismo finissecular, o erotismo, a consciencialização política em contraponto aos limites abafados da pequenez burguesa, o tratamento generoso e feminino das personagens femininas. E em Nunca Diremos Quem Sois há tudo isto elevado ao seu máximo expoente. 

   A intriga desenrola-se no Algarve, centrada no espaço da Cidadela de Alvura, um luxuoso condomínio de férias. À sua volta encontram-se os sítios rurais e os subúrbios degradados da «passa» e da venda de droga. Alvura vê-se assim transformada numa espécie de microcosmos, não apenas do Portugal turístico mas da «aldeia global». Os heróis primeiros são Artur e Liriana, um jovem casal que atravessa o Alentejo de Suzuki. Escolheram um local muito acima das suas posses, mas motiva-os o desejo de viver uma segunda lua-de-mel. Ali chegados, Artur mete conversa com os outros hóspedes: Eduardo Mayer-Ferreira, um magnate da informática, e a sua amante, a modelo Carla; os condes de Manatio (ele de título comprado, ela, Margarida de Lorena, uma aristocrata legitimamente arruinada); o padre Benito Gonzalez, muito «in», que escreve nos jornais; o espanhol Luis Escobar, ex-professor universitário, agora apenas poeta quase cego, acompanhado pela ex-secretária e amiga Alfonsina. São as personagens principais, representantes de um «jet-set» popularizado pelas revistas de má-língua. E adquirem aqui uma dimensão psicológica profunda em resultado dos relacionamentos que vão estabelecendo entre si. Eduardo propõe a Artur que lhe empreste Liriana por 36 horas em troca de um cargo nas suas empresas. Carla quer seduzir Benito. Luis quer casar com Liriana. 

   Aos dilemas do presente vão acrescentar-se os pormenores do passado de cada um: «Margarida já fora de outros um pouco ao acaso e até por vaidade, no meio que devia ser o seu. Entregou-se quase a brincar àquele seu amigo diferente e ficou com ele, primeiro à espera do belo salvador, do autêntico grande de Portugal que a resgatasse de tanta injustiça do destino. Mas, como esse príncipe não despontasse na luz do seu caminho, quedou-se com Jaime Resende, falso conde de Manatio, cujas tramóias e projectos pouco honestos pouco a pouco se lhe foram tornando patentes. E ele afinal, à última hora, quis um casamento religioso e singular, em Sevilha, à meia-noite, sob a protecção da Giralda, com passeio de núpcias depois pela Costa Brava» (pág. 86). Sucessivamente, o(s) drama(s) colectivo(s) engorda(m) com os pormenores dos sofrimentos individuais: «Todos queriam fazer dele um homem de religião, dar-lhe o 'ofício sagrado'. E o pequeno Benito fora-se assim convencendo de que não havia mesmo outro caminho para ele (e de certo modo aprazia-lhe aquela serenidade), embora suspeitasse que poderia dar-se bem nesse outro mundo, que conhecia como uma espécie de inferno-paraíso, carregado de tentações e glórias, de flores carnais, que se lhe ofereciam, de luaceiros excitantes, ao lado dos quais ele passaria hirto, manietado» (pág. 75). 

   Alvura é o paraíso dos sinais exteriores de riqueza, onde lentamente os podres começam a despontar: a praia exclusiva contaminada por mendigos e pobres; um roubo e um incêndio no hotel; o aparecimento inexplicável de cadáveres angélicos ou mutilados; uma invasão de gigantescos sapos com dentes. «Quase todos sabem também da existência de uma casa mal afamada, que fica já nas faldas da serra, perto dali, onde uns cientistas americanos, três homens e uma mulher, fazem experiências diabólicas com plantas e animais. Um dos empregados da copa, mais instruído, explica que se trata de experiências transgénicas e até de coisas piores, de mutações cromossómicas. Já cruzaram mesmo um bode com uma burra» (pág. 97). Todos os ingredientes para uma grande narrativa, à qual as descrições da luz algarvia conferem uma qualidade cinemática muito particular. 

   Urbano Tavares Rodrigues tem mais de vinte romances publicados - muitos traduzidos para várias línguas e objecto de prémios sérios -, para não referir os ensaios. Pertence à Academia das Ciências de Lisboa e à Academia Brasileira de Letras. Mas não aparece nas páginas do Projecto Vercial, http://www.ipn.pt/literatura/, que se autodenomina «a maior base de dados sobre literatura portuguesa»...

 

Helena Barbas [Expresso - 1570, 30 Novembro 2002]   


  Nunca Diremos quem Sois - Urbano Tavares Rodrigues - Europa-América, Lisboa (2002)


 

 

 

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