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Umberto Eco - O Pêndulo de Foucault

Page history last edited by Helena Barbas 15 years, 5 months ago
  
Umberto Eco
 

O Pendulo de Foucault

Um regresso à narrativa com um romance místico-esotérico, um «policial metafísico»
 
   Após o êxito internacional alcançado por O Nome da Rosa, ­Umberto Eco regressa ao romance com O Pêndulo de Foucault­ que, quanto mais não seja pela bem orquestrada campanha de ­propaganda – e pela polémica que está a suscitar em Itália –, promete ultrapassar o sucesso anterior.
 
   Eco é um ­académico célebre pelos seus ensaios semióticos, que se­ abalançou pelo espaço da escrita «criativa», e que recusa­ qualquer oposição entre aquelas duas formas de actividade: «Como se Shakespeare fosse um criador e Kant o não fosse». ­Pretende que se reúnam num só acto as duas variantes, ­distinguindo-as, apenas, relativamente à intenção do autor:­ se este pretende explicar-se, ilustrar uma tese, e o leitor ­não o compreende, o leitor é estúpido; se o autor escreve um ­romance e pretende explicar todas as suas ambiguidades para ­que o leitor o entenda, é o autor o estúpido. Esta «boutade» ­tão característica, resume, no entanto, um dos principais ­problemas que este novo livro coloca.
 
   Em primeiro lugar, porque se revela como uma tentativa de ­pôr em prática conceitos presentes e desenvolvidos nos textos teóricos (por exemplo, o idioma estético como modelo ­epistémico e cultural, o conceito de «máquina semiótica» ­associada a um pensamento semântico enciclopédico e a uma­ memória inventiva, a arte como problema de crença, ou ­insistência nos critérios de racionalidade, entre outros).
 
   O didactismo é agravado pelo tamanho e quantidade das zonas ­informativas, desencadeadas, evidentemente, por estratégias­ de descrição quase primárias que, na maior parte das­ vezes, fazem esquecer a própria intriga - o porquê de tanta informação e, pior ainda, quem está a dizer o quê a quem. O ­narrador embriaga-se de dados e, como um computador­ descontrolado, não resiste a transcrever todas as fichas de­ todas as informações que possui, criando todo o tipo de ­analogias, encharcando o leitor com associações muito para ­além do necessário. Por detrás da barba do semiótico e dos­ óculos do romancista, está à espreita o professor que quer­ garantir uma total passagem do conhecimento aos seus ­leitores-alunos, à partida ignorantes na matéria. E explica ­tudo, desde o nome das personagens ao processo seguido para­ elaborar a própria narrativa.
 
   Assim, como bom teórico, Eco revela o projecto que orientou­ a sua escrita. Numa entrevista para o Magazine Litteraire (nº.262, Fev.89), informa que o seu romance foi construído a­ partir de duas experiências biográficas obsessivas – o encontro com o Pêndulo de Léon Foucault no Conservatoire des ­Arts et Métiers de Paris, e um toque de trompete num enterro ­de resistentes italianos: «A partir dessas duas imagens para mim determinantes... tive a ideia de uma aposta, um verdadeiro desafio: seria possível retirar de estas duas ­histórias, aparentemente tão diferentes uma da outra, ­qualquer coisa que não seja absolutamente incongruente? De­ facto, elas não eram incongruentes em relação a mim próprio. O problema, se quiser, era de estabelecer um curto circuito­ entre as duas. E sobre isso interveio um terceiro elemento na minha­ memória: o curto-circuito mágico...». Esta ideia de recorrer­ à magia vem a ser reforçada por uma frase de Chesterton, que ­substitui a falta de crença em Deus pelo «acreditar em qualquer coisa». E o universo da fé em tudo aparece-lhe, ­simultaneamente: «como a raiz da magia e da nova ciência do Renascimento, e como a raiz do fascismo eterno». E, ­acrescente-se, como a raiz do seu conceito de arte.
 
   A magia, sob todas as suas formas e seitas, vai ser usada para alimentar a noção de segredo, o que torna o depositário ­um iniciado, um eleito perante os outros homens. E por ­analogia, será o pêndulo, objecto hoje científico mas­ inicialmente mágico, que se revela como símbolo dessa­ fascinação: «Fui tocado por essa atmosfera mágica (do ­Conservatoire); também por essa epifania do pêndulo e, para ­além de tudo o que podem dizer os sábios sobre um objecto ­que fica fixo no meio da rotação do universo, verdadeiramente fascinado por essa imagem da imobilidade». Fascinação patente na própria narrativa: «Eu sabia que a­ Terra estava a girar, e eu com ela, e­ Saint-Martin-des-Champs e toda a Paris comigo, e juntos ­girávamos sob o Pêndulo que na realidade nunca alterava a direcção do seu plano, porque lá em cima, donde pendia, e ao­ longo do infinito prolongamento ideal do fio, de cima na ­direcção das mais longínquas galáxias, imóvel até à ­eternidade, estava o Ponto Firme.» (p.10).
 
   Idêntico, ou herdeiro, do fio de prumo – elemento importante­ no simbolismo maçónico - o pêndulo representa evidentemente ­o eixo cósmico que marca a direcção da actividade celeste, e­ aqui tem uma função religiosa. Mais que simples metáfora ou ­símbolo, é a prova material da existência de «um ser que move sem ser movido, eterno, essência pura e actualidade pura», preenchendo todos os termos pelos quais a filosofia ­tem definido Deus: Aristóteles (p.11), mas também Giordano ­Bruno, ou Pascal (p.183, 543) – relação que vem a ser explicitamente afirmada (p.211).
 
   Por esta via se criam ­ligações com o romance anterior. Falando sobre O Nome da­ Rosa, Eco considera que, na ausência de Deus, o único local de conservação da memória da humanidade, onde figuram todos ­os homens, é a biblioteca: «Então podemos, talvez, dizer, ­como o tinha compreendido Borges, que a biblioteca é um­ "ersatz", um substituto de Deus. Se Deus existe, dado que ele­ é omnisciente, ele é uma espécie de grande biblioteca».
 
   A imagem do sagrado é agora alargada à estruturação dos dez­ capítulos de O Pêndulo. Cada um tem por título o nome de um ­dos sefirots – as emanações de Deus, que manifestam a sua ­actividade descendente. São os elementos de mediação que ­permitem o regresso ao «En-Sof», o apreender a essência não­ apreensível. A sua organização – que corresponde a um ­percurso iniciático – desenha a figura de Adão Kadmon, o­ Golem a quem foi dada a vida e a fala, o homem original na ­sua forma mais pura, símbolo do deus vivo e síntese do ­universo criado. Estes capítulos – Sephira são ainda ­sub-divididos em 120 partes, o número da eleição.
 
   Assim, primeiro que tudo, O Pêndulo de Foucault é, como lhe ­chama Jacques Le Goff, um «romance policial metafísico», mas­ não um romance histórico. Diferentemente do que acontece com­ O Nome da Rosa, a História não aparece verdadeiramente ­reelaborada pelo tempo do discurso. Nunca chega a perder a ­sua dimensão enciclopédica inicial, tal como apresentada ­pela personagem de Causabon».
 
   Este jovem investigador faz­ fichas-resumo para uma tese académica e, depois do grau­ obtido, abre uma agência de informações culturais instalando-se como o Sam Spade da cultura. O primeiro­ trabalho de Causabon é sobre o processo de extinção dos ­Templários, e daí parte para uma compilação sobre todas as variantes de todas as ciências chamadas ocultas - da cabala­ renascentista à presente Macumba brasileira, do druidismo­ celta às últimas manifestações maçónicas e encenações ­alquímicas, passando por homúnculos e fénix, acabando no sacrifício humano.
 
   Esta viagem pelas sabedorias marginais é ­acompanhada de citações e bibliografias autênticas que, ­embora por vezes desmistificadas, não são, de facto «parodiadas» (ainda no sentido aristotélico) como o exigiria ­o género, ou parece pretender o autor.
 
   Neste campo, outras questões se levantam que poderiam ­suscitar alguma renitência no uso do próprio termo de­ romance. É do cruzamento de Causabon com outras duas personagens, apoiadas por Abulafia, o computador, que se­ desenvolve uma intriga linear e pouco complexa. Revisores numa editora que inicia a publicação de livros de ocultismo, resolvem inventar um «Plano», uma maquinação à escala cósmica, que justifique a evolução da filosofia oculta nas ­suas relações com a História. O plano funda-se num segredo ­perigoso e mortal.
 
   Por sua vez, tanto as personagens ­principais quanto as secundárias, caracterizadas­ superficialmente, não apresentam uma evolução interior ou ­conflitos íntimos evidentes, e a única possibilidade ­verdadeiramente dramática – a de Belbo – é excessivamente ­dividida e separada pelos extensos diálogos-descrições ­teóricos, que lhe retiram força e convicção. Também o jogo ­temporal não revela grandes complexidades. O herói, à espera­ que os seus inimigos o encontrem, narra, quase ­cronologicamente, os acontecimentos dos últimos doze anos, servindo-se, por vezes, de ficheiros informáticos criados ­por outra das personagens.
 
   Não há dúvidas, no entanto, que este romance - histórico policial, ocultista e metafísico – irá ser um «best-seller»,­ o que de modo algum afligirá o seu autor.
 
Helena Barbas [O Independente, 9 de Junho de 1989, III p. 51-2]
 

 

O Pendulo de Foucault - Umberto Eco, trad. de José Colaço Barreiros, Difel, Lisboa (1989)

 

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