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Teolinda Gersão - A Mulher que prendeu a Chuva

Page history last edited by Helena Barbas 15 years, 5 months ago
 

Teolinda Gersão


 A Mulher que prendeu a Chuva


 

Vertigens do tempo num novo livro que vai obrigar à releitura da obra de Teolinda Gersão
 
   Comecemos com uma citação: «A vertigem do tempo. Um lugar reflectia outros lugares, rostos outros rostos. Caminhavam ao acaso, deixando-se levar pelo que acontecia, porque eram os choques casuais com a banalidade que de repente se revelavam portadores de um sentido, como iluminações momentâneas.» (p.104). A frase pertence a «Cidades», um dos catorze contos reunidos em «A Mulher que Perdeu a Chuva», o novo livro de Teolinda Gersão. Condensa porém, e resume de forma emblemática o tema e conteúdo de todas as outras histórias que o acompanham.
 
   A experiência destes «choques casuais com a banalidade» pode ocorrer em espaços fechados, casas e quartos, e/ou pelas cidades do mundo. Rebentam em pequenos episódios que atacam as várias personagens de cada conto, e lhes transformam a vida ficcional. As «iluminações momentâneas» – que também podem ser de luz negra – são desencadeadas por coisas tão díspares quanto a posse de um pequeno cão, de um casaco de raposa vermelha, um encontro com um desconhecido num comboio estrangeiro, ou receber o resultado de uma análise ao sangue.
 
   Nem todas as narrativas são inéditas. Três delas foram já publicadas, duas em inglês, outra numa antologia de ensaios espanhola. Mas não destoam. Os lugares em que se passam ligam-se todos de algum modo aos tempos do presente. E o balanço final revela-nos que se trata de um presente disfórico, cheio de indigências e degradações não apenas físicas. O fio condutor é esta negra vertigem do tempo a ser vivido, que nos faz descobrir uma nova faceta da escrita de Teolinda Gersão. Olhando para trás, para a obra da autora, esta tendência já lá se encontra semi-submersa, dominada pela ironia. Este rebentar obriga-nos a reler o que já conhecíamos, a entendê-lo de outra maneira, nova e profundamente inquietante. «Deveriam dar-me uma overdose. Quero dormir. Bem fundo, bem fundo até desaparecer.// A morte pode vir ter comigo como um cavalo nocturno e levar-me no seu dorso. Mas são cavalos de pesadelo, e não da morte, que me arrastam. Nightmares. Night-mares. Cavalos nocturnos correndo, sem sair do lugar. Deixando-me outra vez na margem da vigília.» (pág.11). Um momento retirado do conto «Cavalos Nocturnos» que naturalmente contaminará outros usos da metáfora, como em A Casa da Cabeça de Cavalo, ou o Cavalo de Sol.
 
   É curioso ver como as «iluminações momentâneas» desta pequena antologia podem também transformar o percurso ficcional de uma autora cuja qualidade literária se confirma como incontestável.
 
 
Helena Barbas [Expresso, 2007]
 

A Mulher que prendeu a Chuva - Teolinda Gersão - Sudoeste, 2007

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