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Ruy Belo - Todos os Poemas

Page history last edited by PBworks 16 years, 11 months ago
 
Ruy Belo

Todos os Poemas

Todos os livros do poeta reunidos num único volume a exigirem uma cuidada revisitação
 
   Ruy Belo começou A publicar aos 28 anos, estreando-se com Aquele Grande Rio Eufrates em 1961: «Somos verdadeiramente pessoas seguras de si/ Longe de nós - que fará ele aqui? - o pensamento/ de um dia deixarmos atrás e nós um corpo/ lembranças nossas em alguém vazios os lugares onde estivemos/ (...)/ Vamos ao ponto de dar nomes de mortos às ruas/ como se os mortos não pudessem voltar a morrer/ (...)» (pág. 83). Desde então começaram por pôr-lhe vários rótulos, tão díspares como romântico e neo-realista; salientaram-lhe a faceta religiosa e criticaram-no por ter grafado a palavra deus com minúscula; acusaram-no de se preocupar demasiado com questões político-sociais e esqueceram-se de que até o auto-exílio em Espanha acabou por lhe ser vedado.
 
   Incomoda por escrever sonetos; incomoda por fazer poemas longos; incomoda pelas experiências prosódicas mais ousadas: «À sombra desta árvore recente-/ mente nascida só de imaginá-la/ outra vez volto incorrigivelmente/ e em antigas águas molho a fala» (Organização Administrativa da Maçã, pág. 154).
 
   Por alguns foi tido como secundário, talvez porque não cabia lá muito nas modas dos tempos - que conhecia bem e evitava com premeditado perfeccionismo: «Para um poeta que, quanto à concepção do poema, perfilha a doutrina designadamente de Horácio e Sá de Miranda, dois eternos autores de vanguarda, para um poeta que portanto só publica textos que, por os haver longamente limado, tem por definitivos, não pode deixar de ser mau sinal ver-se na obrigação de, num caso ou noutro, proceder a alterações. Mas talvez lhe possa servir de consolo a ideia de que a perfeição é coisa de mortos» (pág. 21).
 
   E mais adiante não deixa de referir os segredos (muito eliotianos) do ofício de poeta: «Arranca esse senhor à linguagem quotidiana aquelas palavras que lhe faltavam para fechar um poema. Como é que lá chega? Pegando naquilo que vê, pensa, ou sente e sacrificando-o ao fito da sua meditação. Despreza aquele conjunto de circunstâncias que rodeavam a palavra e dá nova arrumação à palavra liberta» («Os Fingimentos da Poesia», pág. 262).
 
   Publica-se agora uma gigantesca colectânea de todos os seus livros, cujo texto foi fixado por Gastão Cruz e Maria Teresa Belo, a levar o título de Todos os Poemas. É naturalmente para ler devagar. Ou «para dizer devagar»: «Pelo menos que ao fim teus sacramentos cubram de coragem/ igual à de evitar-te, ao ver-se então de pé na tua frente,/ aquele que nem sempre soube ser bastante transparente/ para dele imprimir nos dias nada mais que a tua imagem» (Solidão e Morte, pág. 173).
 
   De todos os temas que lhe descobrem na poesia, e apesar de a solidão ser «porventura um problema burguês» (pág. 17) é, junto com a morte - em todas as suas variações -, um dos dois grandes assuntos que perpassam os seus versos. É esta a palavra primeira que aparece num inventário jocoso que faz dos motivos propícios a suscitar análises futuras (pese embora confesse ter destruído manuscritos): «É claro que, até para mim, que de inocente pouco tenho pelo menos como poeta, que, ao longo de todos estes poemas, certas palavras afloram com maior frequência, o que sem mais poderá permitir a qualquer desempregado ou reformado ou funcionário público - nos tempos que correm não se pode esperar por um erudito, um estudioso, ou um simples interessado, aos quais os mortos já dão trabalho bastante, especialmente se estão verdadeiramente mortos - proceder a estudos que, embora possivelmente de muito diversa índole, necessariamente terão de comum a circunstância de conseguirem ser mais loucos que a própria poesia» (pág. 19).
 
   É também característica sua uma ironia a invocar o sépia - porque lhe falta a agressividade que conduz ao sarcasmo e o desespero do humor negro: «É tão suave ter bons sentimentos/ consola tanto a alma de quem os tem/ que as boas acções são inesquecíveis momentos/ e é um prazer fazer bem// Por isso se no verão se chega a uma esplanada/ sabe melhor dar esmola que beber uma laranjada/ Consola mais viver assim no meio de muitos pobres/ que conviver com gente a quem não falta nada...» (Soneto Superdesenvolvido, pág. 367).
 
   Morreu sozinho em casa, a 8 de Agosto de 1978, este poeta difícil de classificar, nem sempre bem lido. O último livro que reviu - em 18 de Abril desse ano - foi Homem de Palavra(s). No prefácio, enquanto responde a alguns críticos, faz uma resenha da sua obra, das opções quanto a poemas retirados e inseridos, mostrando a preocupação, sempre presente, de inovar: «O que procuro evitar a todo o custo é repetir um livro, se possível um simples poema ou processos por mim já levados porventura até à exaustão. Cada livro meu, quer-me a mim parecer, é um livro diferente do anterior» (pág. 183). É possível agora comprovar que tinha razão.
 
Helena Barbas [Expresso, 2001]
 

Todos os PoemasRuy Belo - Assírio & Alvim/Círculo de Leitores, 2000


 

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