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Rhys Hughes - Em busca do Livro de Areia e Outras Histórias

Page history last edited by PBworks 16 years, 11 months ago

  Rhys Hughes


Em Busca do Livro de Areia e Outras Histórias


Contos inspirados por Borges que o próprio decerto gostaria de ter lido

 

   Óptimas estreias, em triplicado e apadrinhadas por Jorge-Luis Borges, são de celebrar. Uma nova editora: a Livros de Areia; a revelação de um jovem autor: o galês Rhys Hughes; e um novo tradutor: Nuno Cotter. Juntaram-se todos para nos oferecer a pequena antologia Em Busca do Livro de Areia & Outras Histórias – mas vamos por partes.

 

   Rhys Hughes nasceu em Cardiff, em 1966, numa família de engenheiros e militares. «Era uma tradição familiar, por isso nem sequer pensei que se pudesse ser outra coisa». Lá seguiu as matemáticas e acabou engenheiro, a devorar romances e a escrever contos às escondidas. Porém o que o motivou mesmo foi a televisão: «quando era pequeno, teria uns 7 anos, e via as histórias, sempre quis escrever guiões para mim próprio. Ficava desapontado porque o meu programa favorito passava apenas uma vez por semana. Por isso escrevia eu a continuação, mandava-lhes, e achava que na semana seguinte o meu guião iria aparecer no meu programa». Não aparecia.

 

   As leituras eram completamente caóticas: «aos 14 anos estava com insónias e fui à prateleira pegar num livro ao acaso. Era a Ilha do Tesouro, do Robert Louis Stevenson. Pensei, isto é bom, gosto de literatura. O segundo livro em que peguei foi a Guerra e Paz do Tolstoi. Não sabia que havia categorias». Sem ninguém que o orientasse, avançou com as leituras anárquicas, em segredo: «Muitos dos meus amigos ainda hoje não sabem que escrevo. E agora seria demasiado tarde para lhes dizer: olha, sou um escritor, escrevo há 20 anos. Iriam sentir-se traídos».

 

   Mandou o primeiro manuscrito a uma grande revista aos 17 anos: «Fui rejeitado em 3 dias, e fiquei muito embaraçado. Muito envergonhado por lhes ter feito perder tempo». Por isso continuou a escrever sem mandar nada a ninguém até aos 25 anos.

 

   Hoje reconhece também como seus mestres Calvino e Nabokov. Aos 15 anos encontrou um sábio professor de literatura, que lhe diz para não ler Edgar Allan Poe, por ser demasiado inquietante: «Bom, tinha que saber quem era este Edgar Allan Poe, tinha que o procurar, tinha que o ler. Encontrei The Tell-Tale Heart, e para mim foi uma revelação. Até ali, tudo o que eu lera tinha um narrador de confiança, que era saudável. Nunca tinha encontrado um narrador louco». Por isso tentou descobrir tudo o que podia sobre Poe: «Fui à Biblioteca, e lá disseram-me que tinha que ler aquele escritor argentino, o Jorge Luís Borges – eu nem sabia dizer o nome dele». A primeira coisa em que pegou foi O Livro de Areia: «Não compreendia bem, achava que nem sequer gostava dele. Mas havia ali qualquer coisa que me fez regressar. Depois li o Livro dos Labirintos». Foi a sedução total: «Parecia que Borges estava a violar todas as regras que eu tinha aprendido em Literatura Inglesa: não tem caracterizações particulares, não tem intriga, eram apenas ideias puras. Não tinha qualquer filosofia para vender, eram apenas puros jogos intelectuais. E com um toque de perversidade, porque tentava provar o oposto do que era defendido pela sabedoria comum».

 

   Das outras artes agrada-lhe o cinema – acha que em Lisboa toda a gente está sempre a falar de cinema – mas não o seduz particularmente. Gosta mais de música, de todo o tipo de música, de todo o mundo: «Sou obcecado pela música brasileira, sul-americana».

 

   Nunca teve um momento de revelação quanto ao facto de vir a ser escritor – sentiu tudo como gradual. Quando pegou no seu primeiro livro pensou que então ia ser famoso: «Agora as mulheres vão todas atirar-se a mim. Mas hoje em dia já não ficam lá muito impressionadas quando lhes dizemos que somos escritores. Talvez o tivessem ficado nos anos 20 ou 30. Agora escrevem os seus próprios livros. Se digo que sou escritor, respondem-me: E depois?». Por tal teve que alterar as suas estratégias de sedução: «É mais produtivo saber dançar a salsa – matriculei-me numa escola de dança.»

 

   O primeiro conto de Rhys Hughes – «Em Busca do Livro de Areia» – pega na hipótese, aventada por Borges, quanto à existência de um livro infinito, indestrutível até pelo fogo. Rhys retira-a do espaço do imaginário e do absurdo, reinserindo-a no real. Se nem o fogo conseguirá destruir o livro, e tendo em conta que o papel arde, coloca-se a possibilidade de se ter nas mãos uma fonte de energia inesgotável, um tesouro para países subdesenvolvidos. Diz o autor: «Pega-se numa coisa implausível, e reinsere-se no real para ver como pode afectar as coisas».

 

   O terceiro conto – «A Vida e o Fio de Prumo» – com algumas marcas policiais poescas, retoma o tema borgesiano do labirinto, mas fazendo-o erguer-se do solo, mudando-o em tridimensional. Embora tenha feito algumas paródias a Lovecraft, continua a preferir o escritor argentino: «Borges usa muito a geometria espacial, a relação dele com o espaço é matemática». E é por via da matemática, de equações, fórmulas e gráficos (incluídos no texto) que o mistério se esclarece. Tudo isto levanta bastantes problemas à tradução, que Nuno Cotter soube bem contornar.

 

   Falando ainda sobre a relação com Borges, Rhys confessa ter-lhe escrito a sua única carta de «fã», e só depois ter descoberto que já havia morrido. Não recebeu resposta. O Pedro Marques interrompe: «Na editora já recebemos dois e-mails dirigidos a Jorge Luís Borges.»

 

   A Livros de Areia Editores – http://www.livrosdeareia.com – com sede em Viana do Castelo, nasceu da paixão de João Seixas e Pedro Marques pelos livros. O projecto foi apresentado dia 11 do 11, aproveitando a vinda de Hughes a Portugal para o Fórum Fantástico. «Somos uma pequeníssima editora» diz Pedro Marques: «O João na parte administrativa, e eu na parte gráfica, pretendemos ser realistas, controlar toda a produção». Não se consideram suicidas. Escolheram duas grandes livrarias-distribuidoras, e resolveram apostar no «print on demand» e na venda pela Internet.

 

   O livro de Rhys Hughes agora publicado tem uma tiragem de duzentos exemplares, numerados e assinados pelo autor – está a ser tratado como um objecto estético, usando as estratégias adequadas para seduzir o coleccionador. Preparam-se para lançar em Março de 2006 Uma Nova História Universal da Infâmia, também de Rhys Hughes, e, além de de alguns ensaios e outras narrativas de autores recentes, um livro de Jerzy Kosinski, O Pássaro Pintado, de 1966, outra paixão: «um livro muito duro, o livro do “horror” do século XX, a experiência de uma criança judia que é abandonada pelos pais, e pelas pessoas a quem os pais a deixam, nas aldeias das florestas da Polónia».

 

Helena Barbas [Expresso, 2005]

 


Em Busca do Livro de Areia e Outras Histórias - Rhys Hughes - Trad. Nuno Cotter - Livros de Areia, 2005


 

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