Paulo Castilho
Fora de Horas
Um romance fílmico com personagens portuguesas passado em Nova Iorque
Fora de horas, passeando por Nova Iorque, implica de imediato uma associação fílmica. E os referentes cinematográficos multiplicam-se, intencionalmente, pelo interior deste segundo romance de Paulo Castilho, ao ponto de a América se transformar num grande cenário de celulóide, de o herói se reconhecer como um espectador em visita a um enorme estúdio cinematográfico: «Aparentemente, a estação de caminho de ferro do Union Pacific estava ainda intacta, tal como descrita em Playback. Estação que eu tinha visitado em filmes sem conta. Mas faltava em tudo aquilo qualquer coisa de essencial.(...) Faltava a chuva negra do Big Sleep. Faltava a face obscura de que os homens contagiam as cidades que povoam. Faltava a lucidez gelada da escuridão. Faltava também o Humphrey Bogart. Faltava a Lauren Bacall.» (p.124). À sétima arte ligam-se as outras seis, com preponderância para a pintura e arquitectura, na construção de um espaço entre exótico e turístico.
Coloca-se o velho problema da relação arte-vida, formulado de modo curioso relativamente às personagens: as masculinas - Luis, o amante de arte, e Rogério, crítico de cinema - falham as suas relações com os outros, com o quotidiano; por sua vez as mulheres, viradas para o real, tentam erigir a sua vida como uma obra-prima.
A história centra-se em torno dos dois narradores - Luís e Maria José – expatriados, mas da alta burguesia (e a abarrotar de cartões de crédito). Esporadicamente, ele parte para o novo mundo em busca de um equilíbrio interior e exterior que não encontrou no velho, revivendo uma «náusea» sartriana em finais de oitenta, na versão do valium-whisky. Ela, tornou definitiva uma estadia de intercâmbio estudantil. Seduzida pela revolução das flores, milita em Woodstock, acabando por casar e divorciar-se de um americano: adapta-se ao condenado «establishment» convertendo-se numa «yupie», embora, paradoxalmente, recuse abdicar do idealismo da sua juventude.
Estes «amigos de Alex» - também de Bob Dylan e JoanBaez - à portuguesa, são confrontados - cada um à sua maneira - com a realidade da nova geração, personificada na «indiferente» Clara. A oposição constrói-se através da relação com o mundo, mas principalmente com as manifestações artísticas de vanguarda, face às quais, os «espíritos tolerantes» de sessenta, retomam comportamentos conservadores.
Com alguma ironia, esta moderna versão de On the Road interroga-se sobre os tempos que passam numa linguagem paralela à dos novos romancistas americanos.
Uma leitura interessante e agradável para as férias, caso se consiga ultrapassar os vómitos do primeiro capitulo, as ressacas sucessivas, bem como o bilinguismo americano-português.
Helena Barbas [O Independente, 23 de Junho de 1989, III p.51-2]
Fora de Horas - Paulo Castilho, Contexto, Lisboa (1989)
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