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Marguerite Duras - A Amante Inglesa

Page history last edited by Helena Barbas 15 years, 5 months ago
 
Marguerite Duras

A Amante Inglesa

Um romance que se pretende policial a ser criado pelo leitor
 
   «Tudo o que aqui é dito é gravado. Está a começar a fazer-se ­um livro sobre o crime de Viorne.» (p.9). Começa assim este ­estranho romance (?) policial (?) que coloca um duplo desafio­ ao leitor. Não o descobrir o criminoso, nem a vítima, mas­ elaborar o «inquérito» a partir das «gravações» que são ­reproduzidas tal qual: «...a fita é cega e nada se vê ­através do que diz. É portanto você quem deve fazer surgir o ­livro. Quando a noite de 13 de Abril tiver adquirido, graças à sua narração, o seu próprio volume, o seu próprio espaço, ­poderemos deixar a fita relatar o que memorizou e o leitor­ substitui-lo-á, a si, na leitura.» (p.9). Autonomia fictícia ­porque, como sempre, o leitor é manipulado.
 
   Ao longo do ­texto são lançadas informações, pistas ou desvios, que ­determinam a organização dos dados. À semelhança do rato de ­Laborit, o leitor é sucessiva e discretamente estimulado a­ seguir pelo labirinto de uma memória registada «objectivamente», condicionado a escolher por entre os­ vestígios de um passado insuportável. As gravações, fragmentadas, tornam-se metáfora do próprio crime: um corpo­ esquartejado e distribuído por diversos comboios, que levam­os pedaços para espaços distantes. E metáfora ainda do ­próprio acto de leitura: tal como a polícia, o leitor dever ­recuperar os pedaços e reuni-los num todo, re-transformá-los ­num organismo.
 
   Viorne é uma pequena cidade francesa onde, por «acaso», ­se cruzam as principais linhas ferroviárias do país. O­ pequeno espaço é, portanto, o gigantesco «coração» de um­ sistema circulatório, que alarga a metáfora do corpo à ­geografia.
 
   É pela cidade que começa a descoberta do crime: a ­polícia encontrou o sentido do processo de fragmentação da ­vítima, mas não atingiu o sentido total, por falta da sua ­cabeça. Este detalhe macabro deixa o último «sentido» pendente da palavra da assassina, uma «louca», cujo depoimento foi aceite em auto-incriminação.
 
   Constrói-se um­ paradoxo sobre o valor do discurso - verdadeiro ou falso, ­são ou louco - questiona-se, indirectamente a verdade judicial, e abertamente a ficcional. A crença nas palavras é ­um jogo, que se pode ou não levar a sério, tal como o ­título: dado pela homofonia francesa com o nome de uma ­planta - «la menthe anglaise» (a hortelã-pimenta inglesa) - ­que pode, ou não, fazer sentido.

 

Helena Barbas [O Independente, 21 de Abril de 1989, III p.36]

 


A Amante Inglesa - Marguerite Duras, trad. de Mª. Filipa­ Palma Ferreira, Europa-América, Lisboa (1989)


 

 

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