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Horror: o Terror sem Piedade

Page history last edited by PBworks 16 years, 11 months ago
  

Horror - o Terror sem piedade

 
   É já vasta a bibliografia sobre o «Terror» em particular depois do 11 de Setembro de 2001. Mas pelos vistos não tem contribuído lá muito para a clarificação do problema. Nas Nações Unidas houve uma reunião especial para definir o termo dia 8 de Julho de 2005 e não se chegou a qualquer conclusão.
 
   Nos dicionários comuns, a palavra «terror» vem do latim, com a mesma grafia, e é da família do termo grego «trein» ou «tremein» com o sentido de «fazer tremer». É um sinónimo de «pânico». O funcionamento deste é exposto por Pausânias (c.160 d.C.), na Descrição da Grécia (Livro 10, 23.7-8) como uma loucura enviada pelo Deus Pã sobre o exército dos bárbaros invasores, os Gauleses, a atacar os Gregos nas Termópilas (c.300 a.C.): «Eles acamparam quando a noite os apanhou na sua retirada. E durante a noite tombou sobre eles um «pânico». Porque os terrores sem motivo, diz-se, vêm do deus Pã. Foi quando a tardinha se transformava em noite que a confusão caiu sobre o exército, e a princípio apenas alguns enlouqueceram, e estes imaginavam que ouviam os cascos de cavalos a galope, e o ataque de inimigos a avançar; mas pouco tempo depois a alucinação contagiou-os a todos. / Assim, correndo para as armas, dividiram-se em dois campos, matando e sendo mortos, nem compreendendo a sua língua materna nem reconhecendo as silhuetas uns dos outros ou a forma dos seus escudos. Ambos os campos da mesma maneira, sob a presente alucinação, pensavam que os seus oponentes eram Gregos, homens e armas, e que a linguagem que falavam era Grego, de modo que uma enorme chacina mútua se teceu entre os Gauleses por causa da loucura enviada pelo deus».
 
   O pânico aparece associado à guerra, fruto da imaginação, de terrores deslocados. Por sua vez, a palavra terror em si aparece como medo, «Phobos», o filho de Ares, irmão de Deimos (o Medo) que ataca Alexandre à visão imponente de Menelau, no livro III da Ilíada.
 
O termo «Terror» tem sido usado para definir alguns períodos históricos que hoje gostaríamos de esquecer: um seu reinado durante a Revolução Francesa (1793-4) também com as guerrilhas do «Terror Branco» (1794); as campanhas russas do «Terror Vermelho» (1918), e o maior de todos com o Holocausto. Porém a sua grande fortuna – agregado ao «medo» ou ao «horror» – é literária.
 
   Nasce com a Poética de Aristóteles, que o associa à catarse, a purga da alma por via da piedade; atinge o auge na definição da experiência do Sublime tal como proposta por Edmund Burke (1756). Vai crescer com a literatura gótica. Ann Radcllife (1764-1823), a autora de Os Mistérios de Udolfo, critica The Monk (1796) do seu antecessor, Matthew Gregory Lewis, e procura distinguir entre os termos: «O Terror e o Horror estão em posições tão antagónicas, que o primeiro expande a alma, e acorda as suas faculdades para um grau mais elevado de vida; o outro contrai, gela, e quase as aniquila. Penso que nem Shakespeare nem Milton com as suas ficções, nem o Sr. Burke com o seu raciocínio, em qualquer parte consideraram o horror positivo como uma fonte do sublime, embora todos eles estejam de acordo que o terror o é no mais alto grau; e onde reside a grande diferença entre horror e terror, senão na incerteza e obscuridade que acompanham o primeiro, no que respeita ao mal que se teme?» (“Sobre o sobrenatural em Poesia”, The New Monthly Magazine and Literary Journal, vol 16, nº. 1, 1826, págs. 145-152).
 
   Medo, terror, horror, de deuses metamorfosearam-se em emoções, sensações da alma humana que podem aumentar a piedade, ou até conduzir ao sublime, mas vão transformar-se declaradamente em patologias clínicas com Sigmund Freud. E em Freud, todos os medos são medo da morte.
 
   Chega-se aqui ao momento crucial do nosso terror moderno – a que se deveria chamar horror. O medo de uma morte que não tem que ser enfrentado apenas em situações específicas de guerra, a ocorrer em campos de batalha circunscritos, mas que foi transportado para a urbe, para o tempo e espaço quotidianos do cidadão comum.
 
   O exemplo premente que hoje nos preocupa é a guerra no Iraque, e as retaliações bombistas na Europa. E aqui surge o abismo no entendimento dos conceitos. Todos os medos freudianos são medo da morte, mas apenas para os ocidentais.
 
   Os chamados extremistas, que se suicidam para matar outras pessoas, trazem o nome de «mártires». Para o Islão, o termo «shahid» significa literalmente «testemunha». Em termos cristãos, nos primórdios da Igreja, chamava-se assim a quem dava testemunho da sua fé com o sangue – também contra um regime político, o do Império Romano. São os nossos santos. Foram actos fundadores da civilização ocidental que a modernidade já não compreende.
 
   E daqui surge uma série de paradoxos: Islão e Cristianismo acreditam ambos numa existência depois da morte. Mas o ocidente valoriza antes a vida terrena e material. Invadir um país à revelia das Nações Unidas e bombardeá-lo porque não é democrático, é uma «guerra contra o Mal», uma guerra santa. A teoria militar do «Shock and Awe» baseia-se na incapacidade de o atacado resistir, ignora a hipótese de retaliações. Os «shahid», a desagravar a humilhação de uma guerra «preemptiva» que cirurgicamente transformou território islâmico numa paisagem lunar, são terroristas. Desde o dia 19 de Março de 2003 já morreram mais de 100.000 pessoas no Iraque. Estão decerto a ser usados dicionários diferentes, ou anda tudo a sofrer da alucinação lançada pelo deus Pã.
 
   Só por curiosidade, a CNN oferece-nos diariamente o seguinte slogan: «por cada barril de petróleo que se descobre, são gastos dois. As grandes reservas mundiais estão concentradas em apenas 3 países». Não diz quais.
 

 Helena Barbas [Expresso 1711, 2005]

 
 

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