| 
  • If you are citizen of an European Union member nation, you may not use this service unless you are at least 16 years old.

  • You already know Dokkio is an AI-powered assistant to organize & manage your digital files & messages. Very soon, Dokkio will support Outlook as well as One Drive. Check it out today!

View
 

Geza Vermes - Manuscritos do Mar Morto

Page history last edited by PBworks 16 years, 11 months ago
Geza Vermes

 Manuscritos do Mar Morto


As centenas de manuscritos de Qumran agora em português

 

   A história da descoberta dos manuscritos do Mar Morto decalca (ou vai ser decalcada por) a dos evangelhos gnósticos da biblioteca de Nag Hammadi. Diz-se que, em 1947, andaria um beduíno à procura de uma ovelha perdida quando, por acaso, entra numa gruta cheia de ânforas, repletas de rolos de papiro. Da primeira descoberta surgem sete volumes.
 
   As pesquisas arqueológicas subsequentes, iniciadas pelo dominicano Roland de Vaux (1903-1971), duram até 1956. Revelam um total de onze cavernas, e alargam-se da encosta da plataforma até ao Mar Morto, desvendando também as ruínas da zona habitacional de Qumran. De Vaux está convencido que encontrou o local do cenóbio dos Essénios, os elementos de uma seita ascética a que alguns pretendem Jesus de Nazaré terá pertencido. Para Flávio Josefo, o historiador romano (37-101 d.C.), os judeus dividiam-se em três grupos: os Saduceus – as famílias aristocráticas, os sacerdotes radicais que dominavam o culto do Templo; os Fariseus, mais flexíveis, que constituiriam a maioria da população palestina; os Essénios, um grupo separatista, que os sacrifícios de sangue (como poluidores) e se havia retirado para o deserto da Judeia. Diz-se que a estes últimos terá ido João Baptista buscar o ritual da purificação pela água, e Jesus o do banquete da última ceia.
 
   Alguns dos investigadores que durante cinquenta anos se debruçaram sobre o estudo dos manuscritos encontrados pretendem que foram reunidos, copiados e escritos pelos Essénios. Há provas arqueológicas de um terramoto, que faz coincidir o abandono da zona com a data dos últimos fragmentos. A biblioteca apresenta textos desde o séc. III a.C., até cerca de 68. d.C. Em termos judaicos corresponde ao chamado período do segundo Templo ou dos Macabeus (200 a.C a 70 d.C.), sendo pois igualmente importante para a tradição judaica quanto cristã, uma vez que engloba toda a época da vida e morte de Jesus, e os primórdios do cristianismo.
 
   São centenas de fragmentos, o «corpus» maior e mais antigo contendo documentos respeitantes essencialmente a livros do antigo testamento, apócrifos, poemas e hinos além de compêndios mais práticos – como a Regra da Comunidade, ou um manual de guerra, horóscopos e mesmo a listagem de um tesouro – escritos em aramaico, hebraico e grego: «O carácter único da descoberta de Qumran deve-se ao facto de, com a possível excepção do papiro de Nash […] não ser possível encontrar nenhum texto judaico escrito em hebraico ou aramaico em materiais degradáveis que remontasse ao período pré-cristão. Antes de 1947, o mais velho texto hebraico que se podia encontrar na totalidade de Isaías era o códice de Ben Asher do Cairo datado de 895 d.C.» (pág. 30).
 
   O volume que agora é apresentado em português corresponde ao traslado da última edição – The Complete Dead Sea Scrolls in English (2004) – de Geza Vermes, um dos maiores especialistas sobre o assunto. Geza Vermes é judeu, nasceu na Hungria em 1924. Converte-se ao cristianismo aos 7 anos. Torna-se padre da ordem de Nossa Senhora de Sião, em 1946, por não ter sido aceite pelos dominicanos. Vai estudar teologia para Lovaina, e faz a tese de doutoramento em 1953 sobre os recém descobertos Manuscritos do deserto da Judeia. Diz que são eles que o levam a afastar-se da Igreja Católica em 1957. Vai ensinar para a Universidade de Newcastle e depois para Oxford, (1965-91). É ainda autor, entre outros, do livro Jesus o Judeu (1973), que leva a que uma definição venha a ser alterada nalguns dicionários (o New Shorter Oxford English Dictionary, p, ex.): Jesus já não é mais o fundador do cristianismo, mas um pregador judeu considerado pelos seus seguidores como o Filho de Deus e Deus incarnado. Geza Vermes vive actualmente numa «cottage» perto de Oxford.
 
   Neste volume conta toda a aventura que viveu desde os primórdios da descoberta. Os problemas com que se deparou durante as várias fases de tradução, as dificuldades no acesso aos fragmentos, tudo o que contribuiu para aquilo que chama «escandalosos atrasos na publicação»: «Na minha opinião, o «escândalo académico do século» foi o resultado de um encadeamento de causas. A culpa pela falta de organização e pela infeliz escolha de colaboradores pode ser atribuída a de Vaux» e mais adiante: «O «imperialismo académico» também foi um factor relevante. Foi mais fácil defender que «Estes textos pertencem-nos a nós e não a vocês!» do que admitir que os editores proteladores se tinham comprometido com mais do que aquilo que conseguiam cumprir.» (pág. 23). A angústia com os problemas agrava-se com a consciência da importância do achado para o património da humanidade. Os textos levam a que se alterem profundamente os estudos bíblicos, obrigando-os a uma reformulação, mas afectam também outras áreas: «os Manuscritos de Qumran e os outros achados do deserto judaico criaram uma nova disciplina: codicologia hebraica antiga, ou seja, pré-medieval. Possuímos agora provas concretas de que os escribas preparavam cuidadosamente o couro ou o papiro onde iam escrever, traçando-lhes muitas vezes linhas de orientação com tinta vegetal, que mantinham guardada em tinteiros.» (pág. 30). A maior curiosidade destes textos, além de darem um retrato bastante mais claro de uma seita que tem alimentado as imaginações, os Essénios, reside no facto de os manuscritos apresentados, anteriores à formação de cânones, não terem sofrido qualquer tipo de censuras – eclesiásticas ou rabínicas.
 
Helena Barbas [Expresso, 2006]

Manuscritos do Mar Morto -  Geza Vermes - Trad. Rosário Morais da Silva; Rev. António de Macedo - Ésquilo, 2006

Comments (0)

You don't have permission to comment on this page.