| 
  • If you are citizen of an European Union member nation, you may not use this service unless you are at least 16 years old.

  • You already know Dokkio is an AI-powered assistant to organize & manage your digital files & messages. Very soon, Dokkio will support Outlook as well as One Drive. Check it out today!

View
 

Antologia de Poesia Chinesa

Page history last edited by Helena Barbas 15 years, 5 months ago
 
Gil de Carvalho
 

Uma Antologia de Poesia Chinesa - do Shijing a Nalan Xingde

Uma pequena e bela amostra de uma escrita mal compreendida
 
   Traduzidos directamente do chinês clássico, estão coligidos­ nesta antologia 51 poemas que abarcam um período de 27­ séculos – de 1000 A.C. ao séc. XVII. Trata-se, de facto, de «uma gota de água» como nos diz Gil de Carvalho no prefácio, onde igualmente reconhece a subjectividade da sua escolha.
 
   Não se minimize, todavia, um trabalho verdadeiramente ­«hercúleo». Para além das dificuldades de entendimento e ­tradução de uma poesia oriental, este caso é particularmente ­complexo dado a linguagem utilizada ser muito antiga, e não existir informação sobre grande parte do período de escrita.­ Por exemplo, em 206 AC. o déspota Shih Huang Ti ordena a­ destruição de todos os livros excepto os de agricultura e­ medicina. Deste holocausto restaram cerca de 300 poemas dos perto de 3.000 que constituíam o texto original de O Livro ­dos Cantares ou Shijing - a grante compilação confuciana.
 
   A falta de informação é agravada por um outro problema. Sabe-se que a poesia chinesa é essencialmente musical, ­revelando elaborados jogos de sonoridades – para Burton ­Watson é o primeiro testemunho do uso da rima em qualquer literatura (Early Chinese Literature, Columbia U.P., New ­York & London, 1962). E as suas regras permanecem quase­ imutáveis: Mao Tsetung compõe ainda na forma «tzu», «lu­shih» e «chueh chu» originadas na dinastia Tang (618-907).
 
   Cada poema é composto segundo uma melodia estipulada que ­prescreve, rigorosamente, tanto um padrão tonal quanto um­ esquema rítmico, sendo o número de versos, e o número de caracteres por verso, determinados pelo tipo de estrofe.
 
   Depois, a linguagem dos poemas agora traduzidos: «por ­natureza concisa e rítmica, que nos dá em cada caracter o­ sentido e não a pronúncia...» (p.18) é ‚ apenas escrita ­visual e não sonora ou fonética. Neste aspecto, o trabalho de Gil de ­Carvalho é francamente positivo, tanto mais que, implicitamente, patenteia uma certa discrepância entre o resultado da sua tarefa, e o peso dos pressupostos modernistas que regem o conceito europeu de poesia oriental.­ Recordem-se as traduções de Ezra Pound a partir dos estudos­ de Fenollosa onde, talvez por influência do budismo zen, se ­confunde poesia japonesa e chinesa.
 
   Os modernistas ignoram­ as sucessivas repetições sonoras desencadeadas, não apenas ­pela rima, mas pelo reiterar de versos inteiros, numa construção claramente paralelística. Ignoram ainda as repetições especulares do mesmo termo, que criam ­redundâncias de musicalidade e sentido. Os poemas chineses, ­ao contrário dos japoneses, constroem-se na tentação do ­monocórdico, que é evitado, em última instância, pelo aparecimento de um sinónimo com homofonia diversa. O prazer ­que deles resulta é muito diverso do retirado pelo encontro ­com a imagem de um "haiku" japonês. Nem a sua apresentação é ­instantânea, nem dá origem ao sentimento de libertação súbita – metáfora do «satori» do zen.
 
   O jogo chinês centra-se no prolongamento das sonoridades no tempo, na ­recusa de um fim abrupto e no desejo de explorar um mesmo­ grupo de sons a partir de várias perspectivas. Estes processos estão presentes nalguns dos poemas agora ­traduzidos: «Folhas secas, folhas secas/ O vento é que vos­ levanta/ Ah irmãos, meus irmãos,/ Cantai vós, eu de­ seguida.// Folhas secas, folhas secas,/ O vento sopra-as ­p'ra longe / Ah irmãos, meus irmãos,/Cantai vós, depois sou ­eu.» (p.32).
 

   Embora justificadas, lamenta-se a ausência de notas aos ­poemas e de uma tábua cronológica mais desenvolvida que­ poderiam enriquecer mais ainda este trabalho.

 

Helena Barbas [O Independente, 19 de Maio de 1989, III p.52]

 


 

Uma Antologia de Poesia Chinesa - do Shijing a Nalan Xingde, trad. Gil de Carvalho, Assírio & Alvim, Lisboa (1989)

 

Comments (0)

You don't have permission to comment on this page.