Ana Teresa Pereira - Se nos encontrarmos de novo


 

 

Ana Teresa Pereira


Se nos encontrarmos de novo


Iris Murdoch como pretexto para uma bela história de amor
 
 
   Neste seu novo romance Ana Teresa Pereira dá largas à sua paixão por Iris Murdoch. A história passa-se em Inglaterra, começa na neve de um Inverno, e as suas personagens são inglesas – de nacionalidade, modo de vida e idiossincrasias. Mas desenreda-se muito à maneira da autora portuguesa, numa linguagem encantatória e envolvente.
 
   Murdoch e a sua obra desdobram-se em muitos leitmotivs sobre os quais o texto se vai construindo. Outros surgem dados de imediato no primeiro capítulo: «Talvez seja possível amar uma mulher por causa de um livro, de um poema sublinhado, de um filme a preto e branco, de uma casa, do olhar de um homem quando fala dela, da forma como o seu cão a espera. Da reprodução de um Mondrian na parede da sala.». São palavras atribuíveis ao herói, Byrne, um filósofo de Oxford a escrever um livro sobre Iris, que vai sendo seduzido pelos rastos deixados pela sua senhoria ausente – a aristocrata arruinada e pintora Ashley.
 
   Os títulos dos livros de Murdoch equivalem-se às frases deles retiradas, metáforas que se transformam em pistas e caracterizações: «Gabriel era uma das muitas personagens de Iris que se identificavam com tudo, que tinham consciência das “lágrimas das coisas”, e por esse motivo sentiam uma dor quase insuportável» (pág.49). Aqui a dor é surda. Nasceu das mortes e separações impostas pela vida. Insinua-se através dos objectos, das associações implícitas entre estes e os momentos de felicidade que testemunharam: uma reprodução de Mondrian na parede, uma toalha de quadrados vermelhos na mesa cozinha. Por esta via tornam-se paradoxais: são memória de sofrimento enquanto marcos da ausência, mas a sua existência basta para que se possam reproduzir outros (os mesmos) momentos de felicidade – novos encontros que são sempre reencontros.
 
   Byrne é amado por Rose, Ed ama Ashley que amou e foi amada por Tom. O encontro entre Ashley e Byrne vem contaminado pelo passado de ambos, dando-lhe uma continuidade que é confirmada por afinidades electivas. As personagens decalcam-se umas sobre as outras, re-colando-se sobre os mesmos espaços, diante dos mesmos objectos. Estes tornam-se adereços de um cenário em que o drama amoroso pode ser reencenado com a mesma intensidade por actores diferentes. A narrativa tece-se assim da acumulação de repetições, até do mesmo acontecimento dado por diferentes perspectivas. Elementos que contribuem para o fabrico, não de um puzzle, mais de um mosaico bizantino.
 
Helena Barbas [Expresso, 2004]
 

Se nos encontrarmos de novoAna Teresa Pereira - Relógio d’Água, 2004