| 
  • If you are citizen of an European Union member nation, you may not use this service unless you are at least 16 years old.

  • You already know Dokkio is an AI-powered assistant to organize & manage your digital files & messages. Very soon, Dokkio will support Outlook as well as One Drive. Check it out today!

View
 

Ana Teresa Pereira - O Ponto de Vista dos Demónios e Intimações de Morte

Page history last edited by PBworks 16 years, 11 months ago

 

Ana Teresa Pereira


O Ponto de Vista dos Demónios e Intimações de Morte


Sobre anjos mais ou menos caídos

 

   Está a tornar-se uma redundância dizer bem de Ana Teresa Pereira. E, para cumprir a regra que ela própria estabeleceu, os dois livros que aqui se referem em nada desmerecem da qualidade e experimentações a que nos habituou. Com um «senão», que adiante se referirá

 

   Mas comecemos pelo princípio. Em O Ponto de Vista dos Demónios foram reunidas as suas crónicas no suplemento literário do «Público»: mais uma experiência num novo «género» para juntar à multiplicidade de registos que vai acumulando na sua longa bibliografia. São pequenas reflexões sobre fascínios muito pessoais; meditações desencadeadas por outras obras de arte, do passado e do presente, da literatura, do cinema, da música, da pintura. Nalguns casos re-conta-nos essas criações pelas suas palavras, pelo seu olhar, numa disfarçada «ekphrasis». Noutros oferece-nos uma versão diferente do original, como este poderia ou deveria ter sido. Mergulha nas obras ressuscitando-nos uma personagem, um autor.

 

   Homenagens e gratidões onde perpassam as temáticas de outros livros - anjos mais ou menos caídos, «deuses animais, espíritos soltos que vagueiam no vazio», as casas, pedras e fantasmas, principalmente o de Iris Murdoch.

 

   É a esta autora que dedica Intimações de Morte, que traz como epígrafe o Salmo 139 (em inglês): «porque criaste o meu ser mais interior...», aqui a declaração de uma poética. O romance tem por heroína Jane Frost, talvez avatar de Murdoch, talvez duplo de Ana Teresa. Uma viagem da infância à idade adulta, uma educação sentimental ponteada mais uma vez e sempre por todas as artes, por mais uns anjos, um Michael e um Tom - nomes de outras histórias a desempenhar diferentes funções.

 

   Mas este romance belíssimo traz uma marca - o tal senão -, o recurso ao «seu/sua» pelo «dele/dela». Trata-se de uma muito nova e modernaça «normalização» imposta pelos correctores ortográficos, que se está a expandir em epidemia incontrolável nos «media». Pode parecer chique, mas não é. E não pertence às estratégias de escrita de Ana Teresa Pereira. Veja-se, por exemplo: «Tom nascera do seu desejo, fora ela que o fizera vir à superfície, do oceano remoto onde vivia, do mundo escuro onde hibernavam os monstros, sentada nos degraus do alpendre olhava para as suas pernas nuas que o sol tornara muito morenas...» (pág. 47) - as pernas dele ou dela? E ainda: «Ajudou-a a despir-se e a vestir o pijama, um dos seus, pensou que o azul lhe ficava bem, a sua pele era muito macia, (...)» (pág. 55) - o pijama, a pele de quem? Aqui instaura-se uma ambiguidade quanto à posse que nada tem a ver com a prática habitual e muito esmerada da autora. Na ficha aparece uma «Revisão técnica» atribuída a Raquel Dang - calculamos que a responsabilidade seja «dela».

 

Helena Barbas [Expresso, 2002]

 


O Ponto de Vista dos Demónios e Intimações de MorteAna Teresa Pereira - Relógio D’Água, 2002


 

Comments (0)

You don't have permission to comment on this page.